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Vencedores do XV Concurso Literário de Poesia Casimiro de Abreu

Confira os vencedores do XV Concurso Literário de Poesia Casimiro de Abreu. A premiação ocorreu durante o evento Leia, Casimiro! realizado nos dias 07 e 08 de outubro, na Praça As Primaveras, em Barra de São João.

1) Thais Evangelista Fernandes Brito;

Ceará;

MENINOS DE PÉS NO CHÃO;

Meninos de pés no chão

sujos de barro

carvão

Mãos pequenas calejadas

maltratadas

já cansadas

Meninos que madrugam

logo cedo labutam

Crianças sem nome:

“Ei, menino”

“Ei, moleque”

que trabalham com fome

Trabalho na infância

não mata?

maltrata

amordaça

Trabalho na praça

faz graça?

dá migalha

desgraça

Trabalho no mercado?

serviço pesado

sem nenhuma proteção

Meninos sem dedo

sem braço

sem brilho

mutilados pelo trabalho

Maltrapilhos

sem riso

sem viço

lesados pelo trabalho

Sem tempo pra estudo

carregando o mundo

repetem de ano

repetem a vida

num ciclo sem fim

Crianças que trabalham

Pulam etapas

vivem estafas

No sonho

são meninos de pés no chão

brincando de correr

sem tempo a perder

No sonho

são crianças com nome

e sobrenome

rindo a valer

No sonho

são meninos com infância

sendo crianças

No sonho

são apenas meninos

meninos

que sonham

2) Junia Paixão Mendes

Minas Gerais

Pata de Elefante

conto os passos entre a sala e o quarto

vinte e dois, quarenta e quatro

ida e volta

já refiz o caminho cento e cinquenta vezes

seis mil e seiscentos passos

e ainda são dez horas da manhã de um domingo qualquer

são todos iguais os domingos

todos lentos e espessos

todos tristes, todos cinzas

o peso no peito esmagando qualquer alegria

lembro quando criança

meu pai me levava ao parque aos domingos

dávamos pipoca aos patos e cisnes do lago

brincava de escorregar, de balanço

de adivinhar o nome das árvores

de olhar a forma das nuvens

um dia meu pai morreu e eu tinha dez anos

era domingo, estava frio e chovia

e ele morreu de repente no meio da noite

um suspiro e acabou, moço ainda

a veia estourou, falaram pra minha mãe

e eu ali no canto da casa

tentando entender

respirando em silêncio o ar metálico do horror

no peito a pata de elefante

esmagando a memória dos dias felizes

nunca mais fui ao parque

nunca mais o nome das árvores

nunca mais um domingo sem cheiro de morte

depois foi minha mãe consumida de tristeza

da ausência de meu pai

arrastando pela casa seu descompasso

vestida de luto, olhos vermelhos

os remédios na boca ao som gutural

da solidão imutável

os chinelos surrados vagando absortos

pelo corredor escuro

sangrando a vontade de vida

e eu ali no canto da casa

esperando a dor dela passar

não passou e ela foi encontrar meu pai

num domingo de calor e chuva

a casa abafada, o medo palpável

os gemidos do fim, o vômito

o grito, a vida esvaindo

os olhos abertos, a correria, a ambulância

e eu ali no canto da casa

no peito, a pata de elefante

pisoteando a infância

3) Lucélia Correia Duarte dos Santos

São Paulo

DIALOGANDO COM CASIMIRO SOBRE OS MEUS OITO ANOS

Ah! Não tenho saudades alguma

Da alvorada da minha vida,

Da minha infância sofrida

Que o tempo deixou para trás.

Que terror, que pesadelos, que dores,

Naquelas tardes de medo

À beira do fétido rego,

Debaixo do velho cais.

Como são feios os dias

Do desapontar da existência!

– Respira a alma violência

Como cicatrizes a dor;

O mar é – lago agitado,

O céu – um manto nublado,

O mundo – um pesadelo bronzeado.

A vida – um hino de desamor!

Que alvoradas, que chuva, que vida,

Que noites sem melodia

Naquela amarga agonia,

Naquele ingênuo sonhar!

O céu bordado de nuvens,

A terra de fedores cheia,

As ondas rasgando a areia

E a lua rasgando o mar!

Ah! dias da minha infância!

Ah! meu céu de tibicuera!

Que amarga a vida não era

Nessa tristonha manhã.

Em vez das vitórias de agora,

Eu tinha nessas amarguras

De minha mãe as surras

E ofensas de minha irmã!

Preso filho das favelas

Eu ia bem insatisfeito,

De camisa rasgada ao peito,

– Pés descalços, braços expostos –

Correndo pelas vielas

À roda dos muitos barracos,

Atrás de algum trocado,

Dos moradores bondosos.

Naqueles tempos desventurosos,

Ia pedir as esmolas,

Trepava no muro da escola,

Brincava à beira do bar;

Rezava as Ave-Marias,

Achava o céu sempre estranho,

Adormecia chorando

E despertava a clamar!

Ah! Não tenho saudades alguma

Da alvorada da minha vida,

Da minha infância sofrida

Que o tempo deixou para trás.

Que terror, que pesadelos, que dores,

Naquelas tardes de medo

À beira do fétido rego,

Debaixo do velho cais.

Distante ficou o passado,

Não somos as mesmas crianças,

Guardemos as nossas lembranças,

Abençoado fostes tu, Casimiro!

Meu fado foi carregado,

Na infância não gozei de sorte

E muito fui rondado pela morte,

Aqui estou por Deus e por instinto!

4) Rafael Neves de Souza

Amazonas

AVE-PALAVRA         

Defronte à minha janela

Abri as asas da poesia

E com louvor dei a ela

O voo que tanto queria.

De tão grande não cabia

Na gaiola do meu verso

E foi preciso libertá-la

Pra sentir outro universo.

Na leveza da bagagem

Nada além de sentimento:

Meu discurso de coragem,

Lágrimas de avivamento.

Assim mesmo ela partiu

Fez do céu a sua ponte

Novos ares consumiu

E bebeu de novas fontes.

Foi difícil desprender-me

Da minha ave-palavra

Minha segunda epiderme

Pétala que mais gostava.

Quiçá um dia ela volte

Pro aconchego do poeta

E preencha, novamente,

A minha alma incompleta.

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